sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Relato - Huayna Potosí

Já faz 6 meses que eu fiz esta tentativa de chegada ao cume do Huayna Potosí (6.088m) na Cordillera Real, próximo a La Paz, na Bolívia. Eu nunca havia publicado esta história porque não consegui chegar ao cume, mas hoje, vendo algumas fotos antigas, percebi que não é só o destino final que importa, mas sim o percurso e por isso resolvi contar esta história.


Vista para o Huayna Potosí (6.088m)



A idéia:

No meio de um mochilão, que se iniciou em meados de julho de 2011, finalmente cheguei a La Paz. Saí de Copacabana as 13h e cheguei a La Paz por volta das 17h, peguei um táxi até o centro e fui procurar um lugar pra dormir. Andei muito, mas finalmente achei um lugarzinho bem legal para descansar. Passei o resto do dia ali. Só levantei para tomar banho e comer uma pizza bem do lado do hotelzinho.
No dia seguinte visitei cada agência de viagem que vi nas avenidas Sagárnaga e Illampu. Acredite, são muitas! Passei o dia todo visitanto agência por agência e, apesar de não ser algo que tinha me programado pra fazer, acabei fechando um pacote completo para fazer a escalada do Huayna Potosi com uma agência por 950 bolivianos (cerca de 250 reais). Apesar de nunca ter feito escalada, nem em rocha, muito menos em gelo, resolvi ir mesmo assim. Segundo todas as agências que visitei, apesar de ser uma montanha muito alta (6.088m de altitude), o nível da escalada não exigia muita experiência e depois de muita negociação resolvi agarrar esta oportunidade única.

1º Dia

Cheguei cedo na agência, como combinado. Lá conheci Tim, um inglês muito gente fina que também ia fazer sua primeira escalada. No primeiro refúgio iríamos encontrar com mais dois franceses e fecharíamos o grupo para dar início à aventura.
Apesar de chegar cedo, só saímos bem mais tarde de La Paz, mas pelo menos saímos.
A medida que nos aproximávamos do primeiro acampamento, de carro, a montanha ficava cada vez maior. Eu e Tim mal conseguíamos segurar a ansiedade.
Finalmente chegamos. Deixamos nossas coisas no lugar apropriado e fomos caminhar pelas redondezas até que o almoço ficasse pronto.

Vídeo 01 - 1º refúgio



Depois que almoçamos, chegaram os franceses, Laurent e Olivier, que chegavam de uma trilha pelas redondezas. Após muita arrumação, nos equipamos e fomos fazer a única atividade do dia: Aula sobre o uso dos equipamentos de escalada e uma escaladinha usando crampons e corda numa parede de gelo num glacial próximo ao acampamento.

Tim, Laurent, Olivier e eu no glacial


Aprendendo a usar crampons e andar no gelo


Momento de descontração: aprendendo a escalar paredes de gelo

Voltamos ao acampamento e já estava quase noite. Foi aí que comecei a sentir os efeitos da altitude, mesmo passando os últimos 10 dias acima de 3 mil metros de altitude e alcançando a altitude de 5.421 metros no topo do Chacaltaya no dia anterior. Senti um pouco de enjôo e não consegui jantar direito. Depois da janta, fomos dormir.

2º Dia:

No segundo dia, partimos para o Refúgio Campo Alto Roca (5.130m) que serviria de base para o ataque ao cume na madrugada seguinte. O mal de altitude, juntamente com a péssima mochila que me foi emprestada pela agência, foram fatores determinantes para o meu fracasso nesta escalada. Já na subida para o Campo Roca, me senti muito mal, muitas vezes chegando a dar apenas 2 passos e parar para descansar. Nunca havia me sentido tão mal na minha vida. E para piorar o caso, o único guia que estava com nós 4, seguiu na frente com Tim, Laurent e Olivier, até que os perdi de vista. O que me deixou mais chateado foi que a agência havia prometido 2 guias para nos acompanhar durante todo o tempo, mas até o segundo dia, só havia 1 guia (Lorenzo) conosco. Se tivéssemos 2 guias, um poderia ter ficado comigo, me dando força para subir e garantindo a minha segurança. Infelizmente isso não aconteceu.

Vídeo 02 - Cansado na subida para o Campo Alto Roca




Depois de algum tempo, Lorenzo desceu desequipado e disse que se eu pagasse 10 dólares pra ele, ele carregaria a mochila para mim até o acampamento. Até hoje não sei se ele falou sério, ou estava brincando, mas aceitei. Ele pegou a minha mochila e se mandou para o acampamento base, me deixando sozinho mais uma vez.
Sem a mochila, eu conseguia andar um pouco melhor e parava pra descansar menos. No entanto, como estava sozinho e não conhecia o caminho, fiz um caminho um tanto quanto complicado pra chegar até o refúgio. Nos últimos 20 metros de subida, tive que passar por uma parede de neve/gelo sem o equipamento adequado para isso (crampons) por onde eu não acredito que as outras pessoas passaram, mas com a ajuda de Tim, que estava me dando força e instruções, consegui subir ate o Campo Alto Roca.
Após completar a subida ao refúgio, me senti muito bem! Nunca havia me sentido tão bem na minha vida! Eu estava completamente cansado e desmotivado no meio da subida e mesmo assim consegui chegar no Campo Roca. Eu já tinha desistido de tentar alcançar o cume, dadas as minhas condições e me sentia extremamente feliz de estar ali, naquele refúgio de madeira, a 5.130m de altitude com pessoas de vários países. Era como fazer parte de um dos documentários da Discovery. Eu sempre tive vontade de viver aquilo e lá eu estava, no melhor dia da minha vida.

Vídeo 03 - Felicidade no refúgio




Refúgio Campo Alto Roca (5.130m)


Dentro do refúgio a gente encontrava mensagens desse tipo por todas as paredes


Vista de fora do refúgio


Outra parte da vista


Pessoal subindo para um outro refúgio mais acima


Huayna Potosí visto do refúgio


Depois de parar pra tirar muitas fotos nas redondezas, paramos para almoçar e conversamos bastante. Eu comi toda a comida e passava a me sentir melhor do mal de altitude. Tim, Laurent e Olivier me encorajaram a fazer o ataque ao cume, uma vez que eu estava me sentindo melhor e eu disse que se acordasse disposto no meio da noite, tentaria.

O tempo passou, a noite chegou e fomos dormir. Fomos dormir assim que caiu a noite, pois íamos acordar por volta de 00:30h para arrumar tudo e sair para o ataque ao cume. Eu acordei sentindo fortes dores de cabeça e fiquei extremamente desapontado. Mesmo assim ajudei os rapazes a se equiparem e eles estavam bastante tristes pela minha dor. Olivier me deu um remédio forte para mal de altitude e depois de mais ou menos 1 hora da manhã a minha dor começarou a baixar, porém o segundo guia, que finalmente apareceu, me disse que a dor tende a aumentar a medida que subimos na montanha. Eu tenho dores de cabeça constantes no meu dia a dia e tinha medo que essas dores não fossem simplesmente mal de altitude, mas algum problema biológico meu. Mesmo com a dor já bem menor, tive medo e acabei optando por não tentar fazer o ataque ao cume. Prometi a mim mesmo que assim que chegasse ao Brasil eu faria alguns exames para ver se tenho algum problema.
O único episódio engraçado da madrugada foi relacionado ao nosso guia Lorenzo. Ele estava sem as luvas térmicas e como eu não ia fazer o ataque ao cume, ele pediu as minhas luvas emprestadas. Eu disse que emprestava sem problemas, e quando passei as luvas pra ele, eu disso: são 10 dólares. Ele deu risada.
Assim que o pessoal saiu, eu voltei a dormir. Apenas eu e uma francesa não atacamos o cume naquela noite. Todas as outras mais de 30 pessoas que estavam no refúgio partiram.

3º Dia

Acordei pela manhã com o barulho das primeiras pessoas que retornavam do cume do Huayna Potosí. Dava pra perceber a alegria dessas pessoas pelos gritos e sorrisos que elas lançavam para todos os lados, apesar do cansaço em que se encontravam. Depois de algum tempo, Tim foi o primeiro do nosso grupo a chegar ao refúgio com um dos guias. Ele estava extasiado. Fiquei muito feliz por ele, que me contou que ainda chegou primeiro do que os franceses ao cume. Tim também tinha se sentido mal no fim da subida para o refúgio no dia anterior e estava muito preocupado com medo de não conseguir chegar ao cume. Entretanto no ataque, ele teve um ritmo melhor do que Olivier e Laurent que demoraram muito para voltar ao acampamento, mas chegaram e como chegaram cansados. Mal conseguiam demonstrar a alegria de tanto cansaço.

Depois de um bom descanso, muita comida, coca cola gelada e, é claro, chá, começamos a descer para o primeiro refúgio. A descida se mostrou bem mais tranquila e rápida.

Vídeo 04 - A descida




Vista na descida


Ao chegar no 1º refúgio, compramos cerveja, acendemos os charutos que Tim tinha trazido de La Paz e comemoramos o sucesso dos rapazes. Prometi a todos que voltaria assim que pudesse para a Huayna Potosí e mandaria as minhas fotos em cima do cume para eles por email.

Comemoração! hahahaha


Depois de algum tempo, o carro finalmente chegou. Entramos no carro e começamos a voltar para La Paz. Mesmo com a estrada completamente esburacada, Olivier e Laurent dormiram do jeito que estavam. Eles estavam mortos de cansados depois de 9 dias de trilha/escalada que eles passaram. Tim e eu fomos conversando durante toda a viagem.

Ao olhar para um dos adesivos do carro, vi o adesivo que dizia: "Mais vale perder um minuto na vida do que a vida em um minuto." Foi aí que percebi que fiz a coisa certa. Tive medo, não arrisquei. Até aquele momento, eu nunca havia feito nenhum exame pra saber qual a natureza das minhas fortes dores de cabeça. Felizmente, no dia 30 de janeiro fui ao médico para ver o resultado de um exame que tinha feito e tudo está certinho com a minha cabeça. O médico disse que eu não tenho que ter medo de fazer as minhas atividades, pois nada me impede de realizá-las. Ele apenas me aconselhou a fazer uma melhor aclimatação para evitar os problemas de mal de altitude.

"Mais vale perder um minuto na vida do que a vida em um minuto."


Nesta trilha/escalada aprendi que não devo ter pressa. Aquele adesivo me fez sentir muito bem comigo mesmo. A cada vez que vou fazer uma ultrapassagem ou qualquer outra coisa arriscada eu lembro dele e tomo bastante cuidado. Nossa vida é algo muito precioso que não podemos arriscar por tão pouco. Não, eu não cheguei ao cume do Huayna Potosí, mas tive uma das melhores experiências da minha vida mesmo assim. Espero chegar lá, um dia, e descer com vida para poder contar a todos qual é a sensação. E quando isso acontecer, pode ter certeza que eu vou dizer: "Cara, valeu a pena!".